sexta-feira, 13 de abril de 2007

Os ‘profissionais’ da bola

As grandes somas de dinheiro transformam o futebol em mercado e tira as partidas em si perdem o posto de objetivo principal do esporte

Giuliano Cabral

Na estréia do programa Por Dentro da Bola, com Joel Datena, na Rede Band, o bate papo entre os convidados deu lugar a um bate boca entre o comentarista Marcelinho Carioca, e o técnico do Santos, Vanderlei Luxemburgo, convidado especial do dia. Motivo: Marcelinho afirmou que a filosofia de trabalho de Vanderlei inclui pleno controle sobre os departamentos de futebol dos clubes por onde passa, ou seja, contrata e dispensa atletas, negocia salários e decisões logísticas.
Nos últimos dias, o atacante Romário vem se destacando na mídia pela tentativa de fazer seu milésimo gol. A mídia esportiva fez um estardalhaço e o baixinho vem broxando partida após partida. Após a desclassificação do Vasco na Copa do Brasil e na Taça Rio, o projeto particular do atacante culminou com a demissão do técnico Renato Gaúcho. Gol mil, por enquanto, só o carro.
Dois fatos que fizeram surgir nos bastidores do mundo da bola uma discussão sobre profissionalismo no futebol. Primeiro porque Luxemburgo faz dos clubes por onde passa seu escritório de negócios; segundo porque Romário, na expectativa do milésimo gol, passou a prejudicar o Vasco da Gama com seu projeto particular.
Quem acredita que esse tipo de prática é coisa recente no futebol, se olhar para trás, lá nos primórdios do esporte no país, vai descobrir que dinheiro, negociatas e projetos pessoais são temas recorrentes no futebol, e que dirigentes, jogadores e patrocinadores, desejam ganhar muito mais do que simples campeonatos.

Profissionalização

Ao chegar no Brasil, no final do século XIX, o futebol, primeiramente um esporte elitista, aos poucos se popularizou. Fazendo adeptos em todas a camadas sociais, foi entre a classe operária, nas fábricas, nos terrenos descampados dos bairros fabris e nas várzeas dos rios, que conquistou uma posição de destaque.
Os clubes da elite foram incorporando às suas equipes os jogadores revelados pelos times de várzea. Também os clubes formados por iniciativa dos operários nas fábricas, contando com a aprovação e o apoio material dos industriais, se tornaram comuns. Ao longo da primeira metade do século XX, formou-se uma tradição de futebol amador praticado em clubes de fábrica, sendo difícil apontar a indústria que não tivesse ao menos um pequeno núcleo constituído.
Com vistas ao sucesso do clube e, por extensão, da fábrica, passou-se a fazer uma seleção rigorosa entre os jogadores. Apenas os melhores integrariam a equipe.
Os empresários acreditavam e apostavam na capacidade promocional dos clubes, que, em geral, ostentavam o nome da fábrica. O prestígio da empresa não dependia do desempenho da equipe de futebol, mas podia, em parte, ser favorecido por ele, funcionando como um cartão de visitas e um divulgador de seus produtos.
Para uma parcela das camadas sociais menos favorecidas, o futebol praticado no clube de fábrica significava a possibilidade de fazer carreira como operário-jogador. Oferecia-se uma remuneração especial nesses casos, sob a forma de presentes, gratificações e, inclusive, um segundo salário.
Muitos trabalhadores viam-se estimulados pela possibilidade de complementar os ganhos provenientes do trabalho na fábrica com os “bichos” pagos aos jogadores. Com esse propósito, engajavam-se nas acirradas disputas internas por uma posição no time, motivos de inúmeros conflitos.
Outra prática comum na época era o “emprego de cobertura”, que se resumia em contratar jogadores como empregados regulares para atuarem, temporariamente, apenas como futebolistas, uma vez que, dos torneios das ligas classistas, só poderiam tomar parte trabalhadores devidamente registrados nas fábricas.
Os exemplos de operários-jogadores bem sucedidos como profissionais nos grandes clubes do país, fazendo dessa atividade sua única fonte de rendimentos, fortaleciam o sonho da ascensão social através do futebol. Garrincha, o gênio de pernas tortas, foi um deles.
No time do Sport Club Pau Grande, organizado pelos operários da tecelagem Cia. América Fabril de Pau Grande, no Rio de Janeiro, onde trabalhava desde menino, começou sua carreira como operário-jogador em 1949. Garrincha fez carreira como profissional no Botafogo e celebrizou-se por sua atuação na seleção brasileira em 1958 e 1962, conquistando dois campeonatos mundiais de futebol.

Jogadores x torcedores

Com o passar dos anos, o futebol amador passou a ser grande fonte de jogadores que viriam atuar nos grandes clubes. A sorte era reservada aos craques e poucos atingiram o sucesso financeiro.
A maioria deles, embora melhorando seu padrão de vida, teria um futuro incerto após o encerramento da carreira. Eram coadjuvantes, que integravam o meio futebolístico sem conseguir maior destaque nem auferir ganhos reais.
À medida que o profissionalismo no futebol se aperfeiçoou, jogadores passaram a viver apenas do jogo, recebendo melhores salários e sendo também mais exigidos em relação a treinamentos e concentrações. Surge então a figura do empresário que substitui as empresas, que passam a buscar outras modalidades mais eficazes de propaganda.
Hoje, com as divisões de base dos clubes e empresários que possuem contratos com jogadores espalhadores por todos os continentes, a dedicação ao esporte permite que alguns atletas encontrem outras atividades rentáveis no fim de suas carreiras.
Para a maioria dos ex-jogadores profissionais, um bom clube ou um bom empresário representam uma forma de acesso a um novo emprego. Nesses casos, é fundamental saber explorar as relações estabelecidas durante a carreira como jogador.
Do lado dos jogadores que atingiram condição de estrelas, atitudes como as dos jogadores Grafite e Amoroso do São Paulo, que foram ganhar em euros no Velho Continente, e de Paulo Baier, que recentemente deixou o Palmeiras e retornou ao Goiás por causa de salários atrasados, a questão do profissionalismo é vista como o direito legítimo do atleta abandonar um clube, no momento em que bem entender, devido a uma proposta financeira melhor.
Para os torcedores, que estão interessados na vitória do time, profissionalismo quer dizer cumprir contratos até o final e, terminadas as obrigações entre as partes, estar livre para seguir seu caminho, pois é a torcida que faz o espetáculo continuar.
A justificativa de jogadores, técnicos e clubes é que se no mundo empresarial funciona assim, então não há problema que seja assim também no futebol. Redundância. Pelo que vimos, a relação futebol e empresas nasceu no país junto com o esporte. O que está em jogo então não seria a questão do profissionalismo, mas o respeito que os profissionais do futebol devem ter com o público.