sexta-feira, 29 de agosto de 2025

CORJA LANÇA HOJE SEU QUARTO ÁLBUM EM SHOW COM MANGER CADAVRE

O Corja lança hoje seu quarto álbum “... E tudo vai piorar”, com 9 faixas gravadas e produzidas pela própria banda, que trazem um caráter mais universal à sua mensagem. O disco é um retrato mais maduro da fase iniciada no trabalho anterior, “O elefante na sala de cristais/A intolerância tolerante”, e representa tanto musicalmente e quanto liricamente, questionamentos sobre os principais temas do período tenebroso em que vivemos. 

Temas como a polarização, a truculência da necropolitica, a ascensão da nova extrema direita, e também as causas psicológicas e políticas que levaram esses eventos macabros a ocorrerem, além de canções sobre depressão, individualismo doentio e sobre o poder da desconstrução e da mudança de pensamento que nossa sociedade se viu obrigada a lidar nos últimos tempos e como esta reagiu tanto pro lado positivo quanto pro negativo. 

Lenda do underground goiano, a banda surgiu em Goiânia em 1998, durante a efervescência do cenário local da época, e o vocalista e baixista Wander Segundo bateu um papo com o Dr. Gori sobre o novo lançamento. 

O novo disco do Corja é um retrato duro da atmosfera vivida no país nos últimos 10 anos. É uma concepção que foi pensada e trabalhada previamente ou ela foi saindo naturalmente com os absurdos que fomos vivenciando nos últimos tempos? 

Na verdade foi um pouco dos dois, nós passamos por uma avalanche de mudanças pra pior nesse período todo que chegou  num ponto que as músicas que foram escritas com uma concepção prévia acabaram por se ressignificar ao longo desse curto período de tempo, assim como em vários dos grandes discos de protesto ao longo da história da música as coisas vão tomando outro sentido com o passar do tempo sem perder o frescor da idéia original e nós tivemos a sorte de que as letras desse disco não soassem datadas, é sobre esse período conturbado no nosso contexto atual, mas que pode ser lido e interpretado de forma diferente através dos anos porque ao mesmo tempo que tudo hoje é rápido com a tecnologia a questão humana parece estar acontecendo de forma mais lenta com o tanto de retrocesso que a humanidade vem sofrendo como um todo.


Estamos vivendo um período onde a crise do capitalismo está mostrando sua face mais tenebrosa e vivemos a beira de um colapso total, o que nos remete por exemplo à guerra fria. Então as canções de protesto escritas nessa época tomam o significado de hoje porque a ameaça atômica está aí mais uma vez, sob uma nova roupagem o mesmo clima de insegurança se saber se o mundo vai existir amanhã vem retornando.  Muita coisa que era pessimista e hipotética no passado se tornou a ordem do dia. Vamos pegar um exemplo que aconteceu alguns anos atrás: nos anos 80 a música 99 redbaloons (ou luftbaloons)  da Nena expunha o quão longe o militarismo poderia chegar ao ponto de jovens descompromissados soltarem balões no céu causarem uma guerra por achar que tais balões eram espiões, tamanho o senso de paranoia que rondava a sociedade da época. Uns anos atrás isso realmente aconteceu quando a China lançou balões espiões nos EUA, a paranoia dos anos 80 virou realidade nua e crua 30, 40 anos depois... se formos pensar nos drones então, no reconhecimento facial, tudo isso se torna muito assustador...


  Assim como algumas das letras desse disco acabaram tomando essa mesma proporção... se pensar que O Privilégio é Estar Morto foi composta em 2016 dá pra sacar exatamente do que eu estou falando, e isso faz com que as letras se tornem atemporais. Necropolítica foi escrita antes da pandemia e depois da pandemia caiu como uma luva pra tudo que aconteceu no mundo na época e depois dela, graças a ascensão da extrema direita mundial, a questão Palestina hoje por exemplo mostra o conceito do Mbembe completamente escancarado, os líderes da direita não cobrem mais as coisas com o véu de decência que vestiam antes e pra muitas pessoas o que era chocante e inadmissível se tornou cotidiano... algumas até aceitam e vangloriam a barbárie mesmo sabendo que também são vítimas dela... e por ai vai, cada uma das 8 músicas nossas no disco tem sua peculiaridade e uma interconexão com o que rolou no passado e a de-evolução que passou ate chegar nos dias de hoje. Acho que só Força de Desconstruir que dá um tom de esperança dentro do caos que continua carregando o mesmo significado original que é colocar na desconstrução de cada indivíduo o restinho de fé que a gente tem pela humanidade.

 

Foi um álbum composto devagar, em estúdio próprio e que apresenta algo diferente: arranjos mais maduros e músicas  e músicas mais pesadas, com uma pegada mais metal. Como essa evolução da parte musical foi sendo trabalhada?

Na verdade a única música que realmente foi trabalhada com o tempo foi Muito Obrigado que foi a última música composta pro disco, logo após o retorno das atividades pos pandemia. Todas as outras já estavam prontas quando a gente começou a gravar o disco em 2019. 


O que mudou foi realmente a parte técnica porque nós gravamos mais da metade do disco no nosso estúdio e aprendemos a mexer o básico nesse meio tempo, o disco demorou a sair mais porque estávamos aprendendo a gravar e a produzir nossas próprias músicas do que exatamente trabalhando elas no estúdio.  As duas músicas novas que já fizemos depois que o álbum foi gravado tem mais esse teor ai de parar pra colocar arranjos e trabalhar mais cada música. Então que rolou desse disco agora pros anteriores foi mesmo uma evolução natural da banda.


Algumas faixas também foram gravadas e tiveram produção em outros estúdios?
Na verdade a banda ficou parada quase dois anos por causa do isolamento, não fizemos nada novo, retomamos de onde paramos e por isso tem três músicas que foram gravadas no Old e o resto no nosso estúdio.  


Exatamente na semana que íamos gravar mais 3 músicas a pandemia explodiu e tudo fechou. Nós tínhamos o álbum praticamente pronto e três músicas gravadas. O que rolava fazer durante a pandemia pra mostrar que a banda existia era justamente trabalhar essas músicas já gravadas e anunciar que o álbum sairia assim que pudéssemos nos reunir pra tocar de novo. E tivemos que retomar tudo do zero e por isso o álbum demorou tanto, foram 6 anos pra sair... o que não vai acontecer novamente kkk muito em breve já vamos ter material novo por ai...


Como anda a perspectiva dos membros da banda após transformar em música os relatos e as ameaças fascistas que parecem não ceder tão cedo… tudo vai piorar?


Ainda vai piorar bastante... a humanidade ainda está aprendendo a por os limites na própria tecnologia que criou...tudo evoluiu tão rápido que a própria ética não conseguiu acompanhar as mudanças e isso gerou uma desordem tão grande que muitas pessoas acreditam que a ordem vai mudar ou melhorar as coisas, por isso o fascismo se torna uma opção (a pior delas) pra muita gente que de repente se viu sem chão. 


O abismo entre as gerações mais velhas e as mais novas se aprofundou tanto que todo mundo ficou perdido e o elo que unia a tradição política e cultural ocidental se rompeu e se espalhou em milhares de pedacinhos, o que aliás é o contexto do álbum anterior: o elefante entrou na loja de cristais e agora estamos vivendo a consequência desse estrago e talvez não vamos conseguir limpar toda a sujeira em nosso tempo de vida, não sei se teremos tempo pra ver as coisas melhorarem. 


Sei que a cada dia a máxima do Einstein sobre a terceira guerra mundial ser com paus e pedras se torna cada dia mais real e toda a teoria da De-Evolução que o Devo criou sobre a humanidade estar regredindo e se tornando cada vez mais idiota está se concretizando. A insegurança e a incerteza cada vez mais tomam a humanidade de assalto... mas uma hora essa corda arrebenta... uma hora as pessoas vão voltar ao fio da meada e vão se revoltar novamente e o fascismo vai voltar a ser a grande vergonha mundial. 


Por sorte uma boa parte da nova geração já sacou isso e dá pra voltar a ter uma fagulha de esperança, até porque eles sacaram isso por eles mesmos. Não aceitaram a intervenção dos mais velhos e é bem legal ver gente mais nova compartilhando dos mesmos ideais que a gente sem ter tido a nossa influência direta, acho que é assim que podemos começar a tentar construir coletivamente um mundo mais permissivo, justo e livre de opressões.