sexta-feira, 8 de novembro de 2024

COLUNAS ANTISSOCIAIS: JECA TOTAL, O MONSTRO E O COACH

 


Jeca Total, o monstro mutante e o coach

Na música Jeca Total, Gilberto Gil imaginou um homem sertanejo emancipado, represertando sua gente no senado, lutando pela elevação do teto salarial no sertão. Rompia assim com aqueles esteriótipos racistas e coloniais do Jeca Tatu, personagem através do qual Monteiro Lobato havia representado o homem sertanejo anteriormente.

O Jeca Total de Gil, porém, não se realizou.
Em lugar disso, vimos um tipo inusitado chamar atenção: o Jeca coach. Pablo Marçal, com seu sotaque caricato, tornou-se talvez o primeiro goiano a ocupar o 3° lugar na eleição para prefeito de São Paulo, a maior cidade do Brasil.

Enquanto oriundo dessa parte do sertão brasileiro que é Goiás, Pablo Marçal representa, na verdade, não um sertanejo emancipado, mas uma espécie de aberração. Surgida no momento em que Goiás produz "rios de dinheiro", consagrando-se como celeiro do agro, do tóxico e do fake grão transgênico (para usar as palavras de Fred 04, da banda Mundo Livre SA).

Esse novo sertão, das comoditys, do milho e da soja, dos grandes frigoríficos de carne, assume as formas de um monstro mutante. Que se alimenta de resíduos químicos, contratos milionários, corrupção, camionetes espalhafatosas, trabalho análogo à escravidão...

Esse monstro cresce demasiado, torma-se incontrolável como um verdadeiro Godzilla. E defeca personagens estranhos, como Gustavo Lima e Pablo Marçal.

Com o Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, eles compartilham, talvez, a falta de educação emancipadora, os maus costumes, a porcaria e a abjeção. Reproduzem portanto esteriótipos rascistas e coloniais. Com o Jeca Total, de Gil, eles não compartilham absolutamente nada. Representam, na verdade, o seu inverso. São motivo de piada e vergonha, ao invés de orgulho. Não trazem nenhuma emancipação. Mas alegram a festa dos paulistas, trazem um divertimento banal. "Exóticos", talvez tragam a eles um pouco de emoção.

Quem produziu esse monstro foi o não-sertão, o centro econômico hegemônico brasileiro, sua divisão de papéis, de acordo com as necessidades de lá.

Agora, o centro se assusta com o que vê. O monstro cresceu demasiado e defeca suas consequências. São Paulo agora sofre com o odor das fezes do monstro que ela mesma ajudou a criar.

Autor: Supriano
Ilustração: Salomão Montenegro

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